Aos 49 anos, Lídia Reis tinha feito cinco testes importantes na vida.
Foram de gravidez e deram, todos, positivo. Quando, a 17 de março, a testaram para apurar se estava infetada com o novo coronavírus, já tinha um pressentimento de que também este seria positivo.
Viajou, no dia 16, de Lisboa para a Terceira e daqui para São Jorge, vinda de um cruzeiro no Dubai, onde contraiu Covid-19, ainda hoje não sabe como.
Começou a sentir dores de garganta, que descreve como “picadas”, e tosse.
No dia 17, foi evacuada pela Força Aérea Portuguesa para o Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira (HSEIT). Uma médica e um enfermeiro seguiram ao seu lado, o oxigénio perto.
No caso de Lídia Reis, a parte respiratória, conta, “correu razoavelmente bem”. Foi tratada com um antibiótico e, ao fim do quarto dia, já começava a mostrar melhoras.
“Nunca pensei que ia morrer. Sou sempre uma pessoa que gosta de ver o lado positivo. Pensei sempre que ainda tenho muito para viver e filhos de que quero cuidar”, diz.
Com poucos dias de internamento, colocou no papel o que sentia. Lê o que escreveu, ao telemóvel, na casa do Topo, onde está numa última quarentena, depois de ter sido dada como recuperada. “Sinto-me doente, sem forças, com tosse, muita tosse, sem apetite. Até é difícil comer uma sopa simples, uma meia dúzia de colheres, o segundo, nem abri, fruta, nada, água sim, mas aos poucos. Pensar que só acontece aos outros não é meu hábito, mas desta vez fui eu, sim senhor”.
O mais difícil
Quando passou pela primeira vez por Lisboa, para a viagem ao Dubai, a crise da Covid-19 ainda não tinha rebentado no país. Os filhos estavam felizes por a mãe finalmente tirar umas férias a sério. Funcionária dos serviços administrativos da Escola Secundária da Calheta, as férias eram sempre para trabalhar nas empresas da família.
“Na semana de sete a 14 (de março) é que isto deu uma volta enorme. Estive em Lisboa, nos dias cinco e seis, nos centros comerciais e não se via ninguém de máscara. Sem qualquer tipo de limitação. Não havia muita preocupação, porque parecia que o vírus estava muito longe”, relata.
A pandemia chegou ao país e, quando regressou, Lídia Reis encontrou um aeroporto onde não foi feito controlo, mas que estava já muito vazio.
O grupo representou os primeiros e até agora únicos casos de Covid-19 em São Jorge. Foi um peso acrescido. As críticas foram duras, sobretudo nas redes sociais. “As pessoas têm medo do que é desconhecido. Nós temos o azar de trazer uma coisa que, à partida, as pessoas sabem que é perigosa e que é má. Sermos o portador dessa situação nunca é bem aceite”, afirma.
Sentiu que as pessoas a olhavam de uma forma diferente: “Sabendo que a pessoa está positiva daquele vírus, é estranho. Agora penso como se devem sentir as pessoas que têm SIDA ou outro tipo de doenças. Como é que não devem viver”.
Lídia Reis explica que foi das situações mais difíceis que enfrentou. O grupo que chegou a São Jorge, garante, teve a preocupação de se isolar. Ninguém na ilha foi infetado. “Isso é muito bom”, diz.
Agora sabe que existirão memórias mais felizes destes tempos. Como o neto, de 16 meses, na janela da casa do lado, no Topo, que reclama porque não pode estar ainda perto da avó.
Confiar na Saúde
Lídia Reis não tem dúvidas ao afirmar que se deve confiar no Serviço Regional de Saúde. “A sua massa humana é do melhor que existe”, assegura.
Acredita que o Governo Regional tem de olhar para os profissionais deste setor de outra forma. “Fez-me lembrar daquele ditado que diz que ‘Só se lembram de Santa Bárbara quando troveja’. Os médicos e os enfermeiros, que trabalham com pessoas positivas e usam todos aqueles equipamentos de proteção… É difícil. Um professor licenciado tem um vencimento de 1518 euros em início de carreira, enquanto um enfermeiro tem um vencimento de 1200 euros. Porque ganham menos?”, questiona.
Com o internamento, aprendeu que será sempre uma mulher positiva e conheceu o valor da paciência. Já sabe o que vai fazer, quando esta última quarentena terminar, a cinco de maio. Vai dar um mergulho ao cais da Calheta. “É a minha prioridade”, ri-se: “Quando estava fechada no hospital, dizia para mim que só queria respirar o ar puro que está na rua e entrar na água do mar”.
“In Diário Insular” 30.04.2020
Info-Fajãs | Mark Marques
