No final da década de cinquenta, inicio dos anos sessenta o cais das Velas, viu partir muitos Jorgenses, neste caso concreto, rumo ao Canadá um país que começava a abrir as suas portas à emigração.
Pioneiros nesse desafio partiram da Beira em 1957, José Barroso e Filipe Sousa Bettencourt logo depois em 1960, Artur de Sousa Bettencourt, Cosme Maciel, António Barcelos e João Anselmo da Silveira desse grupo fez parte Vital Barcelos igualmente a esposa Dona Leonor e as filhas, durante a restante década de sessenta e até 1972 partiram várias famílias (a maioria agregados numerosos) desses destaco (porque meus vizinhos de porta) o senhor António Maciel (primeiro sozinho) e depois chamando a restante família a saber senhora Mariana e os filhos, Leonor, Deodete, Judite, Leocádia, Georgina, Auxiliadora, Elias, José, Ângelo, Jorge e Filipe. (a Fátima ficou porque casou com o Hélio Oliveira)
À exceção do casal e do Ângelo todos estão vivos e bem na vida (já com filhos e netos) mercê do seu trabalho e grande determinação e dadas as oportunidades só possíveis em grandes países de acolhimento como foi (e ainda é) o Canadá.
A rua onde viviam aquando da sua partida ficou mais triste, sem aquela alegria e movimento que eles e elas (raparigas bonitas) lhe imprimiam. Eu e os outros amigos, tristes ficamos por todos eles, mas sentimos mais a ausência do José porque ele era o «construtor» dos «carros de leme» e das motas de madeira com que nos aventurava-mos a descer a Presa da Machada (sem asfalto) ás vezes até ao Canto dos Sabugos, fugindo do Joaquim Cantoneiro, que nos queria prender os nossos «veículos», ou ir queixar-se aos nossos país (no meu caso meu avô) com as consequências que tal «queixa» nos oferecia. Enfim vivências felizes que marcaram a infância.
FIOS DE SAUDADE
Um «atalhinho» para S. Jorge.
A Dona Leonor Soares foi Regente Escolar na Beira (S. Jorge) , numa época em que minha madrinha de batismo (irmã de meu avô paterno ) de nome Maria Palmira da Soledade era a professora primária.
As duas durante longos anos ensinaram muitos, mas muitos rapazes e raparigas (hoje pais e avós) a maioria deles vivendo atualmente no Canadá e Estados Unidos da América.
Na grande emigração dos anos sessenta , partiu Dona Leonor o marido e as filhas , conjuntamente com outros residentes da Beira ,todos buscando um futuro mais prospero que na ilha àquela época não se vislumbrava. O chegar a um país que pouco se conhecia, (naquela época a receber os primeiros emigrantes) encontrar trabalho, como orientar a adaptação e o crescimento dos filhos a adaptação a novas culturas e estilos de vida, tudo isso, foi para eles uma experiência desafiante e marcante, embora hoje quase todos (numa larga percentagem ) estejam felizes e inseridos nas vivências dessa grande nação que lhes possibilitou vidas mais prosperas e felizes, sem esquecerem as suas raízes, principalmente culturais.
A Dona Leonor, faleceu em 2020 com 98 anos de idade, porém recordo a tal carta que ela escreveu a minha madrinha (sua colega do ensino primário) pouco depois de ter chegado ao Canadá. «Senhora professora e cara amiga, digo-lhe do fundo do coração, se fosse possível e existisse «um atalhinho» do Canadá para S. Jorge, agora mesmo partia de volta para a minha terra, os meus alunos, os meus amigos a nossa pouca abundância, mas nessa alegria de vivermos sossegados, sem esta angustia, por não sabermos ao certo como ficam ou estão as nossas filhas enquanto trabalhamos». Falei-lhe nesta carta passados largos anos numa das suas muitas visitas à ilha. Sabes disse: “foram tempos exigentes e muito marcantes nas nossas vidas, mas valeu o sacrifício, porque após a nossa adaptação superou em muito as nossas expectativas em termo de qualidade de vida. Mas digo-te, outra coisa- hoje felizmente o atalho é o avião, quero usá-lo enquanto viver para vir a nossa terra muitas vezes.”
Que descanse em paz. Usou o atalho muitas vezes e sempre foi recebida com o carinho e o respeito daqueles que foram seus alunos porque num tempo quando se fazia barulho a mais, não se faziam os trabalhos de casa (muitas cópias), se tinham erros no ditado, ou se falhava no nome de um rio, ou se distraia o colega do lado quando se rezava ao meio-dia havia castigo, o maior, ir de joelhos para a frente do quadro preto ou então estender a mão para umas réguadas (às vezes fortes). Dona Leonor era benévola nos seus castigos. Aqueles que conviveram com ela recordam-na sempre com saudade e carinho.
São afinal estes (e muitos outros) fios de saudade, que alimentam este grande dilema, a ilha que nos viu nascer e os grandes Continentes ou Países para onde emigramos. Nem sempre o maior é o melhor, enfim mistérios da alma açoriana, mas enquanto nascer um açoriano nestes rochedos emergentes do Atlântico Norte estará sempre predestinado a sentir o desejo de partir querendo ficar. A emigração e a saudade (também dos nossos filhos e amigos que partiram para ficarem noutras ilhas ou no Continente Português) são raízes profundas do ser-se Açoriano. «A ilha acaba logo ali», e esta inquietude, este querer mais, este batalhar pela vida próprio do Açoriano, aponta-lhe sempre mais partidas que chegadas.
Bom ano para toda a nossa Diáspora.
