Velas, daquele cais antigo, embarcou muita esperança, muita vontade de irmos mais longe e buscar a ilha noutras paragens naquele fugir à pouca abundância que a terra nos propunha. Antes (muito antes) foram os «saltos» ou pequenos cais das nossas fajãs (principalmente a sul) que nos encaminharam para embarcar em baleeiras de sacrifícios longos e marcantes.
Hoje felizmente, o cais é aeroporto e o chegar a destinos além oceanos, tem sempre à nossa espera um braço amigo que nos ampara e encaminha. Mas no partir é ser-se emigrante, ganha-se outro sentido do sermos ilhéus. Há muitos jorgenses «espalhados» pelo Mundo, mas (penso eu) onde mais se «aconchega» a alma açoriana numa simbiose passado/presente será nas grandes terras do Vale de São Joaquim na Califórnia.
FIOS DE SAUDADE- parte 2
Minha rica ilha Terceira.
O João Alvarino e a Maria Emília são velhos conhecidos meus, éramos os três ainda jovens e vivemos todos (eu por dois anos) na freguesia de Santa Barbara (Terceira).
A dada altura os dois (ela nascida na América, ele em Santa Barbara) casaram e partiram para o estado dourado, construindo vidas de sucesso, hoje com filhos e netos todos orientados e bem para o presente e futuro.
Ao fim de quarenta anos, reencontramo-nos, o João soube da minha presença na Califórnia, e telefonou-me combinando-se uma visita à sua casa em Modesto. Fui recebido com a amizade de sempre e na conversa vieram «à baila» os acontecimentos do nosso tempo (a criação do Sport Clube Barbarense, onde joguei futebol), os bailinhos de Carnaval, as festas de Santo António, a filarmónica, a debulhadora do sr. Manuel Dias (onde trabalhei nas férias) e a recordação dos nossos amigos (alguns já de partida para a grande e última viagem) e outros (muitos), vivendo nesta grande terra.
Na grande conversa as nossas famílias marcaram momentos importantes bem como o relembrar viagens ou países já percorridos e então, dessas memórias soltou-se o «fio de saudade» ainda por cima «acicatado» por tempos de pandemia, que infelizmente não nos querem deixar.
Dos destinos de férias não possíveis de se fazer, dada a «pandemia» a saudade foi mais forte.
Minha rica ilha Terceira, que este ano (2020) não vou lá- disse a Maria Emília, mas disse-o com um pesar verdadeiro e inequívoco … o resto do mundo não importava. Senti pela sua expressão, por aquele olhar triste e distante, que afinal a ilha estava ali, no fundo daquele coração como marca indelével e nunca esquecida.
Afinal o grande viajar à volta do mundo, não apagava aquele torrão natal, antes, tornava-o mais desejado. Afinal a ilha, neste caso a Terceira é alimento inesgotável do sentir Açoriano.
O Mar da Urzelina
O Décio é meu afilhado (do crisma) e a Maria (esposa) é para mim também afilhada. A vida a minha e a deles na nossa ilha de São Jorge nunca nos proporcionou senão encontros esporádicos. Mas a nossa presença na Califórnia aproximou-nos mais, e permitiu-nos outro convívio, nomeadamente jantarmos em conjunto (a Maria é excelente cozinheira) tendo como ementa a comida portuguesa. Num desses jantares de fim de semana (que juntou outros amigos) como quase sempre a conversa girou á volta da ilha e da dinâmica económica nesta potência Mundial que é a Califórnia (a sétima).
Todos chegamos à mesma conclusão: a Califórnia trabalho por trabalho garante maior rendimento, logo, supera a ilha. Mas de pois vieram os pormenores: os amigos, a liberdade no trabalho, a comida e o mar.
Todos demos a nossa versão dos referidos temas, mas a Maria (que até tinha um emprego bem remunerado) disse: Tudo bem nesta terra, mas sinto muito a falta do mar da Urzelina. Quando escrevo estas pequenas notas, estou feliz por eles, tem a sua casa na ilha, os dois tem bons trabalhos a Maria pode sentir o prazer de mergulhar nesse mar azul e cristalino da Urzelina que ela bem conhece.
O «cheiro da roca de velha » ( Conteira )
Os «Melros» assim conhecidos em São Jorge e no Vale de São Joaquim (Califórnia), são exímios tocadores de viola da terra, de violino, e doutros instrumentos e ao mesmo tempo cantadores de fama nos bailes tradicionais, além de artistas em várias profissões.
Conheço-os todos de há longos anos (o Luís, o Manuel, o Isidro e o Olegário) e com todos tive o prazer de conviver no Estado Dourado. Em 2019 o Luís Melro veio à Califórnia em visita de saudade para com os seus familiares (filhos em primeiro lugar) e amigos também.
Juntamo-nos um dia na leitaria do meu amigo Nuno em Gustine, juntamente com mestre José Ilídio (tocador e construtor de violas da terra), os Melros, o Anselmo, o Preto, o Matias, o António Morais, e o Chicharro entre outros jorgenses numa tarde de música, comida e saudade e num relembrar da ilha, sempre a sua gente e a vida das fajãs. No final do convívio perguntei ao Luís – Então ficas por cá mais uns tempos? Não – resposta dele -vou já para a semana, quero ir sentir o cheiro da roca de velha e o sossego do Alpeirão. Assunto encerrado. A alma jorgense, aquela ilha esguia mas altiva, aquela viola tocando e gemendo nos salões jorgenses, vencia por muitos a Califórnia das abundâncias e dos grandes espaços.
Nestas «Califórnias de abundâncias» o vale de São Joaquim, é lugar onde os olhos se esgotam na imensidão da terra, lugar centro ou coração da fraternidade, do sentir a dor dos outros e doar sem pensar receber de volta, lugar onde a Açorianidade mais perene se sente pura e livre sem «rebites» de intelectualidade, terra onde rapazes e raparigas se encontram nos momentos mais felizes do ser-se feliz. Mas nestes «mundos grandes» há todavia (no pensamento) um pequeno espaço lá longe que ganha sempre no confronto do grande mistério da alma humana.
São afinal estes «fios de saudade» que nos aproximam e são garantia para sermos todos, aves voando neste vai e vem entre Atlânticos de ternura e afetos.
