Os jornalistas que estão em São Jorge a fazer jornalismo e não especulação e/ou ficção de má qualidade, com estórias da carochinha e do João Ratão pelo meio, dão conta de um autêntico êxodo populacional desde sábado dia 19, quando teve início uma crise de característica sismo-vulcânicas com eventos de baixa magnitude, mas em quantidade muito significativa.
Relatos a partir da Vila das Velas evidenciam uma localidade quase fantasma, com estabelecimentos comerciais já fechados e outros que encaram como certo que terão que fechar.
Em poucos dias o problema já chegou à principal fonte de rendimento da ilha, a indústria queijeira, que terá que se esforçar e ser muito criativa para não fechar fábricas essenciais por falta de mão-de-obra.
Internamente, o povo do concelho das Velas começa a debandar para a relativa tranquilidade do concelho da Calheta, beneficiando do facto de São Jorge ser, na realidade, duas ilhas, sendo provável que quando uma é afetada a outra permaneça em sossego (a divisão é numa falha entre o Norte Pequeno e a Calheta).
Números oficiais apontam que entre 1200 a 1500 indivíduos já terão saído de São Jorge, deslocando-se sobretudo para as ilhas mais próximas.
Com pouco mais de 8000 habitantes nos censos de 2021 (com perdas significativas de censos para censos), São Jorge começa agora a assistir à partida de cidadãos em quantidades impressionantes por conta de uma catástrofe natural que talvez ocorra, como já ocorreram, aliás, tantas na História dos Açores e na História de São Jorge.
A crise em curso, como todas as crises da mesma natureza, pode acabar amanhã, pode redundar num terramoto esta noite, pode culminar numa erupção um dia destes. Ou nunca. (O sismo de 1980 caiu-nos em cima vindo do nada.) E pode continuar por meses – e depois não se sabe o que pode acontecer.
É o que a ciência sabe hoje. Estas são as contingências de viver numa região linda, onde gostamos de estar e queremos continuar por cá, mas lado a lado com uma natureza que gosta de nos pregar algumas partidas.
Viver aqui exige uma cultura de segurança e proteção civil que não temos, porque nunca a cultivamos, ao contrário de outros povos, que convivem pacificamente com fenómenos como os que costumam incomodar-nos.
Pelos vistos, não conseguimos fazer a transição das procissões dos abalos para a ciência e este atavismo parece estar a determinar comportamentos que talvez não sejam racionais.
Já é preciso recuperar São Jorge, mesmo sem catástrofe.
Atentemos nisto!
“In Editorial do Diário Insular de 26.03.2022”
