Fajã Grande, 27 de Abril de 2017
Saudoso amigo José
Espero que esta carta te encontre de saúde, bem como os teus.
Em primeiro lugar quero felicitar-te pela tua escrita. Leio os teus artigos sempre com a maior atenção, porque são reflexões muito pertinentes e oportunas. Mas os tempos, hoje, estão diferentes e, sem te querer ofender, como diz a nossa gente, receio que estejas a bater em ferro frio.
Por aqui, em terras de Lacerda, está tudo muito tranquilo. O povo continua a gostar de música (e aprecia de sobremaneira quem lhe a saiba dar), não fosse esta uma terra de filarmónicas, também festiva como vocês, com jantares, bailes de roda, chamarritas e, daqui a dias, touradas à corda.
Mas sabes, José, estou preocupado com esta ilha. No passado domingo, ao final da tarde, fui dar um passeio à fajã de São João e encontrei o Joaquim – nosso colega de tropa – sentado a pescar no Porto da Panela. Depois de dois dedos de conversa, dizia-me, com alguma nostalgia, que estamos a perder terreno em relação aos outros. Dizia ele, é como se estivéssemos abancados, à espera que o caminho do progresso fizesse uma curva na nossa direção, para apanharmos o comboio.
Esta terra está diferente, insistiu. Já não somos os mesmos de quando a terra nos foi madrasta. Há uma espécie de desânimo e de conformismo, ingratos para uma terra tão rica como esta. E os jovens, que são a esperança de qualquer país, procuram novos horizontes e uma vida mais prometedora noutras paragens, concluiu o nosso amigo.
Acredita, José, que todos os meses saem rapazes e raparigas, na flor da idade, para o estrangeiro. Somos cada vez mais pequenos… Dizem até que a discoteca, que existia p’ra aí, já fechou por falta de movimento. Sei lá se é ou não verdade, porque eu nunca lá pus os pés.
O que sei, é que a animação desta terra está a ficar reduzida às festas do divino que se aproximam, aos bailes que te falei e a umas jantaradas. Diferenças, essas estão principalmente no turismo que parece ter descoberto, c’ma que de repente, as nossas paisagens, talvez por causa dessas companhias, em que um homem viaja mais barato para o continente do que p’ras ilhas que vemos, mesmo sem binóculos, à nossa frente.
O queijo continua a ser o melhor dos Açores, mas se é verdade o que dizem, quando passou a ser vendido caldeado com os das outras ilhas, ficou a perder. Eles bem que anunciam novos mercados para escoar o produto, mas daqui que essa gente se habitue a comer queijo, não me doam os dentes.
O atum – o melhor do mundo – todos os anos ganha vários prémios de qualidade. Não vou dizer que isto nos resolve a vida, mas já é uma esperança. O mais difícil continua a ser pôr aquilo a dar lucro.
Depois são as promessas (e aí vem novamente o tempo delas) que uns acreditam e os outros desmentem.
Sabes uma coisa? Um homem já não sabe em quem acreditar. Não é só na política. Até no futebol a gente vê um penalti e os comentadores, a olharem para as mesmas imagens, conseguem ver e defender coisas que um homem, mesmo depois de uns valentes canecos na fajã, não vai buscar tanta imaginação.
As coisas hoje em dia estão assim. Um homem tem de ser vertical nas suas opiniões. Esta coisa de afirmar o que não vê, e de não ver o que está a afirmar, vai dar – parece-me bem – mau resultado.
Termino, pois a carta já vai longa, esperando que me contes coisas dessa bonita ilha de Jesus Cristo. Este ano, estou a pensar em ir às festas de São Bartolomeu, que tantas saudades me deixam (sempre gosto de ver os amigos que lá deixei). Mas é só lá para Setembro, a ver vamos.
Aceita um abraço firme, deste teu amigo
Francisco
