Confesso que tenho uma visão romântica e egoísta das fajãs de São Jorge.
A ideia é não partilhá-las, fruí-las sozinho, poder ter o porto da Panela – na Fajã de São João – só para mim, sintonizando a algazarra dos cagarros ao fim da tarde e extasiando-me com o Pico em frente.
Jorge, o Almirante, era uma personagem afável da Fajã das Almas. Em casa do Manuel Teixeira Brasil, bebíamos aguardente de nêspera e, no restaurante, comíamos caldo de peixe, que ali é feito com pão de milho.
Certa vez, um par de turistas continentais meteu conversa com o Almirante e perguntou-lhe: “então, se quisermos dormir aqui onde podemos ficar?”Afável, o Jorge respondeu: “podem ficar na minha casa”.
O que ele não contava é que os papalvos aceitassem.
Refeito do choque, o velho disparou: “até é bom que fiquem lá em casa, porque, assim, as pulgas a dividir por todos tocam menos a cada um…”
Por estes dias, há, em São Jorge, quem se manifeste receoso com o uso turístico desenfreado das fajãs. Correm investimentos milionários que fazem ressurgir ruínas do sismo de 1980. Nórdicos deslavados invadem os trilhos com as suas mochilas. Hão-de falhar todas as adegas e todas as conversas saborosas, por falta de jeito!
A verdade é que a ideia de autossubsistência associada às fajãs foi-se perdendo; a inacessibilidade também. E os velhos, aos poucos, vão deixando de ser sábios.
Nos anos oitenta, o tio Faustino, da Fajã dos Cubres, presenteou-me com um cesto de lapas.
Em noventa, discutia-se a construção de uma estrada para a Caldeira de Santo Cristo.Parece que não foi necessária uma estrada para que se estabelecesse o caos.
Ou sou eu que estou fora de moda?
