Já há dias que penso em escrever algo sobre tudo o que nos está a acontecer, até várias pessoas mo sugeriram, mais do que uma vez, mas nenhum de nós está com muita capacidade para se concentrar em textos profundos. No entanto, hoje apeteceu-me fazer aqui uma coisa levezinha e por isso aqui vai a minha humilde opinião, que vale o que vale:
Ninguém que nunca passou por isto sabe um c*r*lh* do que se está aqui a passar, por isso se for para falar mal, por favor esteja calado e ao menos respeite. O ataque de ódio vindo do exterior é absurdo, até parece que quem vive numa ilha acorda todos os dias de manhã e pensa “humm hoje pode haver um sismo”, é que se fosse a sequenciar esse pensamento em catástrofes naturais, o planeta Terra estava desabitado.
Quase todas as pessoas já sentiram sismos muito piores, mas talvez nunca temeram tanto pelas suas coisas e a sua vida, afinal há uma grande probabilidade de haver uma erupção vulcânica. Excepto aqueles que negam a perigosidade a acham que os que saíram daqui com medo são “tantans” da cabeça. É todo um mundo entre o ter muito medo ou ter só assim, assim. Mas medo, temos todos!
Depois há os que nos imploram diariamente que a gente saia daqui, não só das Velas mas sim da ilha. Calma gente, não é caso para isso ainda, mas já se sabe que se houver um sismo de 5 nas Velas é impossível não sentir na Calheta e até nas outras ilhas, não tenhamos ilusões. Por isso, talvez é melhor ficar numa casa segura do que se ir abrigar num palheiro. Cada um está a ver a sua vida e a segurança que oferece a sua casa.
Há também os que gostavam de sair livremente, mas continuam presos aos seus trabalhos e vêem-se obrigados a levar os filhos para o centro do problema, ou a separar-se deles e a pernoitar em casas com pouca segurança. Também não é certo.
Todos os dias tentar dormir sobre um chão a tremer significa precisamente não dormir nem descansar, é natural aceitar que muita gente pareça um zombie arregalado atrás de um balcão ou a cuidar dos nossos miúdos na escola. Lá está, outra coisa que me parece desumana e quando isto acabar aí é que estamos mesmo todos “tantans”.
Depois há uma vidente que já programou o apocalipse, que é o fenómeno mais teatral de tudo isto. Quem não viu, epá faça umas pipocas porque é hilariante e desculpem-me os crentes que todos os dias se juntam a isto. Mais um resultado do medo.
Contudo há os crentes mais tradicionais, que diariamente rezam o terço e pedem às várias divindades ajuda e proteção para todos nós. Afinal foram estas coisas que criaram a nossa religiosidade e identidade. E pedir coisas boas e vibrar energias positivas nunca fez mal a ninguém!
Aqui no meio pode ser irrelevante, mas há 10 dias que não vejo a novela que até me entusiasmei a ver (eu que nem sou de ver novelas, mas esta coisa da maternidade dá muitas horas de TV), porque agora o cérebro foi reprogramado e só vemos notícias sobre a nossa própria desgraça e nos tempos livres tentamos decifrar o que é verdade do que é mentira, tentamos perceber qual o especialista mais sincero, e fazemos exercícios para confiar nas entidades competentes e acreditar que o CIVISA é 100% honesto e que não faz retórica para não espantar os poucos que restam nas Velas, sabendo as consequências económicas disso. (Nota de rodapé: Para nós o covid e a guerra na Ucrânia acabaram no dia 19, mas temos uma vaga ideia que o Will Smith bateu no Chris Rock e que já há um novo governo em Portugal.)
Sair da nossa casa e ter que escolher o que vai na mala e o que fica é uma experiência que ninguém devia passar nesta vida.
Diariamente voltar a ela a ver se se aguentou bem ao último evento e escarafunchar ainda mais na ferida, é três vezes pior.
Viver 10, 15 pessoas na mesma casa, é como um acantonamento de escuteiros prolongado. É o fim da privacidade. Mas estamos todos gratos e felizes. Nunca fizemos tantos jantares de família antes!
Fazer ver aos velhos que aquilo que trabalharam a vida toda para ter pode virar um pátio de lava ou um monte de cinza de hoje para amanhã é uma coisa que mais vale beber 3 litros de vinho e não pensar muito sobre o assunto. Por isso, além de “tantans” também alguns vão ficar alcoólicos.
E depois há aquela experiência de merda que faz rir a quem não passa, que é apanhar um cagaço com o sino a bater as trindades e teres um bebé debaixo do braço e achares que é para evacuar. A sério, o medo leva à insanidade.
Depois há o Presidente Marcelo, que por ser presidente da República merece um parágrafo para descrever a patetice que veio aqui fazer e, na verdade, todo o genuíno jorgense desejava dentro de si que ele tivesse apanhado um tremelique mais forte e borrado a cuequinha para aprender a não dizer disparates.
Portanto, de modo a responder a uma só voz a todos os telefonemas e mensagens que tenho recebido de preocupação. (A onda solidária mais bonita que experenciei na minha vida, uma vez que nos oferecem casa até noutros continentes!) O que eu acho mesmo é que isto se se prolongar muito no tempo, e agora falando a sério, é capaz de resultar daqui um problema muito grave de saúde mental. Porque é preciso ser meio bicho-meio Homem para sentir este medo e mesmo assim ficar aqui a fazer o dia a dia como se nada fosse. Ninguém vai morrer nem talvez mesmo magoar-se, e estão todas as entidades a cuidar de tudo, há planos exímios para tudo, menos para esta parte…
